Rondônia, 25 de novembro de 2024
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Cidade mais evangélica do País exalta apoio a Bolsonaro e antipetismo: “Decadência da sociedade”

Arroio do Padre (RS) é, historicamente, um dos municípios mais antipetistas do País, e seus moradores querem defender o título nas urnasb

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Fonte: Estimativa do IBGE referente à população em 2021 e dados do TSE sobre eleitorado brasileiro em 2022 Criado com Datawrapper

Arroio do Padre poderia ter outro nome. Talvez “Arroio do Pastor” ou, ainda, “Arroio Evangélico”. O fato é que, na pequena cidade do extremo sul do Rio Grande do Sul, a 266 km de Porto Alegre, não tem nenhum padre. Há, no entanto, um massivo apoio à reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Os moradores da cidade ilustram a preferência de 52% dos evangélicos ouvidos no último levantamento Datafolha com esse público, divulgado em 15 de setembro. Bolsonaro oscilou para baixo em relação ao levantamento da semana anterior, no qual aparecia como preferência de 55% dos eleitores.

Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder das pesquisas de intenção de voto, ganhou fôlego, saindo de 30% para 34%, segundo a pesquisa feita com 5.926 eleitores, com margem de erro de 2 pontos percentuais para mais ou para menos. O avanço do petista pode ser explicado por novas apostas feitas pela campanha, que incluem jingle gospel, panfleto e Lula “guiado por Deus”.

Mas em Arroio do Padre o Partido dos Trabalhadores não encontra espaço. Na cidade mais evangélica do País, 85% da população de 2,7 mil habitantes se declarou adepta dessa religião, segundo Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2010.

O alto índice não é coincidência, mas consequência da imigração de alemães e pomeranos que tentavam fugir da Segunda Guerra Mundial. Foi neste contexto que as igrejas luteranas dominaram a cidade.

A pastora Jaqueline Weber Kuff comanda os cultos na principal igreja de Arroio do Padre (RS) há seis anos. Sem poder declarar voto, ela diz que jamais votaria em um candidato que defendesse o aborto e o ‘homossexualismo’

Orgulho de rejeição ao PT

Um pouco mais adiante do único restaurante que marca o ponto central da pequena cidade, vê-se a torre de três andares da Paróquia Evangélica de Arroio do Padre. Ela fica defronte para um antigo cemitério, com dezenas de lápides com epitáfios escritos em alemão, fazendo jus à herança dos seus colonizadores.

Aos domingos, os moradores da cidade se dividem entre cinco paróquias como aquela e acompanham os cultos. Porém, não são todos os que se declaram evangélicos que frequentam as pregações dadas pelo casal de pastores Jaqueline Weber Kuff e Mikael Kuff, que moram na casa anexa à igreja principal há seis anos.

Essa informação é da própria Jaqueline, que, pastora por profissão, não deixa claro em quem vai votar nas eleições, mas dá dicas de seu candidato escolhido ao longo da conversa.

“O que tal partido defende? Aborto, homossexualismo, que a Bíblia condena? Então, a gente não vai votar. Preciso ser coerente em minhas escolhas, senão vou estar ferindo minha ética cristã”, justifica.

O outro lado também não parece ser uma escolha tão óbvia assim para a pastora. “O outro lado tem o quê? Armas? A Bíblia também é contra armas, então, fica complicado, mas os critérios que a gente tem é escolher o menor pior”, pondera.

O cuidado com as palavras e as frases evasivas têm um motivo: a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil, pela qual é contratada, é contra o partidarismo dentro dos cultos. Quaisquer outras manifestações públicas também são proibidas.

Mesmo assim, a pastora se arrisca ao dizer que acredita que a cidade manterá seu título de rejeição ao PT e garante que toda a comunidade é bolsonarista. Mesmo com alto percentual desfavorável, o então presidenciável Fernando Haddad alçou 399 votos válidos em Arroio do Padre nas eleições de 2018.

“Foram os [eleitores] que se mudaram para Pelotas [cidade vizinha] e ainda votam aqui e, também, os professores. Eles se deixam levar”, teoriza a pastora. Para ela, em cidades maiores é “fácil ser influenciado”.

As igrejas luteranas de Arroio do Padre (RS) ficam defronte para cemitérios abertos ao ar livre

Seja quem for, se não for o PT

Mesmo que tenha alguns votos, por lá, o Partido dos Trabalhadores não tem vez – não importa quem seja a oposição, ela sempre leva a melhor. Foram os eleitores de Arroio do Padre, por exemplo, que deram 83% dos votos válidos no segundo turno das eleições presidenciais de 2006 para Geraldo Alckmin (PSDB) contra Lula (PT). Hoje, os dois se uniram em uma chapa presidencial – Lula ainda pelo PT, mas Alckmin pelo PSB.

Nas eleições seguintes, o PT até conseguiu mais votos, como na eleição de Dilma Rousseff. Mas no segundo turno de 2018, Jair Bolsonaro (PL) alcançou 78% dos votos válidos contra Fernando Haddad (PT). E, ao que tudo indica, o número pode ser ainda maior nestas eleições, já que os moradores ainda resistem a Lula, o candidato líder em pesquisas de intenções de voto.

No caminho até lá, um desconhecido fala sobre suas preferências gastronômicas, em uma conversa jogada fora, no único ônibus que faz o trajeto de Pelotas (RS), a cidade grande mais próxima, para Arroio.

“Se você for no Deuteronômio, na Bíblia, vai ver tudo o que pode e o que não pode comer. Vai lá ver. Eu já vi”, indica o passageiro, que em seguida emendou uma discussão sobre ensinamentos bíblicos ignorados por outros membros daquela comunidade.

O que não é ignorado por lá, por outro lado, são as eleições presidenciais. O pleito deste ano, que escancara a polarização no País, tem apenas um lado em Arroio do Padre: o de Jair Messias Bolsonaro. Todos os moradores parecem ter opinião formada sobre o assunto, já que o acompanham por cortes de entrevistas e redes sociais do candidato à reeleição.

Eles se orgulham da alcunha de ser um dos grupos de eleitores historicamente mais antipetistas do País. Pelo menos, é o que defende o aposentado Henri Bonow, um famoso morador da cidade.

“Somos antipetistas e sempre fomos. Ainda que o PT teve um crescimento na eleição da Dilma, porque algumas coisas foram de agrado do pequeno produtor rural e se deu bem […], mas não vamos fazer isso de novo, é uma decadência da sociedade”, defende.

O aposentado é um dos que pretendem, “sem sombra de dúvidas”, votar novamente em Jair Bolsonaro em outubro. Ele justifica seu voto se baseando no antipetismo e comparando os escândalos de corrupção em ambos os governos.

“Não se pode comparar a corrupção de pegar dois pastores que fizeram rachadinha não sei do quê com milhões e passado em primeira, segunda e terceira instância. O Brasil vai ser um País onde vai passar tudo”, dispara.

Dono do único posto de gasolina da cidade e de uma grande propriedade, o arroio-padrense aponta para os hectares intocados ao horizonte atrás de sua casa para também questionar outra pauta usada contra o atual chefe do Executivo, a destruição do meio ambiente, com números recordes de queimadas na Floresta Amazônica.

“Será que tem mesmo um grande problema de natureza?”, pergunta, insistente.

Bonow acredita que a influência de Bolsonaro entre os evangélicos irá além de Arroio do Padre. “Todos os evangélicos vão votar nele, isso é certeza”, diz, mas logo se corrige para incluir a candidata à deputada federal Marina Silva (Rede).

“Na verdade, não são todos os evangélicos, porque Marina já disse que não vai votar”, completa, lembrando do recente apoio da candidata ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Essa é uma das reportagens da série especial de eleições do Terra. Eleitores de nove cidades brasileiras, que se destacaram nas Eleições de 2018 e nos últimos quatro anos, contam suas percepções sobre o País e expectativas para 2 de outubro. Novas reportagens serão publicadas diariamente ao longo desta semana.

 

Reportagem: Juliana Steil, de Arroio do Padre (RS)



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