Nos artigos anteriores, diagnosticamos a doença: o Brasil é um corpo doente onde a cabeça (a elite dirigente) é corrupta e os membros (a força de trabalho e a juventude) são cooptados pela violência. Identificamos o "Vazio Existencial" como a porta de entrada para o crime. Hoje, precisamos examinar o remédio que jogamos no lixo e o veneno que colocamos no lugar através de uma análise profunda das estruturas pedagógicas que moldaram o Ocidente.
Vivemos sob a "húbris" (arrogância) da modernidade. Aprendemos nos livros didáticos a olhar para a Idade Média com desprezo, rotulando-a pejorativamente de "Idade das Trevas". Consideramos aqueles homens uns "cavernosos" supersticiosos, enquanto nós, iluminados pela técnica e pela ciência experimental, nos julgamos o ápice da civilização humana. A ironia, contudo, é sangrenta: os homens daquelas "Trevas" construíram Catedrais góticas que desafiam a gravidade e fundaram as Universidades que hoje nós apenas burocratizamos. Enquanto eles buscavam a Sapiência, nós nos contentamos com a Informação.
O Mapa da Alma: Intelecto, Vontade e Afeição
A Escolástica, cujo ápice se encontra em Santo Tomás de Aquino, refinada pela revelação cristã, entendia que o ser humano não é um amontoado de impulsos biológicos, mas uma unidade hilemórfica dotada de potências que precisam ser hierarquicamente ordenadas. A "Formação Integral" era, portanto, uma engenharia precisa da alma, baseada no reconhecimento de que o homem possui um Intelecto para conhecer a Verdade, uma Vontade para escolher o Bem e Paixões que devem ser educadas pela razão.
Para o mestre medieval Hugo de São Vítor, no seu influente Didascalicon, o objetivo da educação era "restaurar em nós a imagem divina". Essa restauração passava pelo domínio das Artes Liberais, onde o Trivium (Gramática, Lógica e Retórica) não servia apenas para a comunicação, mas para a própria estruturação do pensamento correto. Sem um pensamento ordenado, o homem seria incapaz de perceber a ordem do universo e, consequentemente, incapaz de governar a si mesmo.
O Intelecto, nessa perspectiva, deve ser o guia da Vontade. Quando o Intelecto é obscurecido pela falta de formação ou pelo erro, a Vontade torna-se cega e passa a desejar o que é aparente e não o que é real. A educação clássica buscava o desenvolvimento das Virtudes Cardeais — Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança — como hábitos enraizados na alma que permitiam ao homem agir corretamente de forma quase instintiva, mesmo sob pressão.
Diferente do modelo moderno, a Escolástica não separava o conhecimento intelectual do progresso moral. Não se admitia que um homem fosse considerado "instruído" se fosse um canalha. A sabedoria era inseparável da virtude, pois o conhecimento da Verdade deveria, necessariamente, levar à prática do Bem. Era essa harmonia interior que blindava o indivíduo contra a tentação do ganho ilícito e da violência brutal.
Por fim, essa formação integral considerava as paixões e afeições como energias que, se bem canalizadas, impulsionariam o homem para grandes feitos. A educação não buscava a castração dos sentimentos, mas a sua ordenação. O medo deveria ser transformado em cautela prudente; a ira, em zelo pela justiça; e o desejo, em amor ao que é belo e verdadeiro. Sem essa hierarquia, o homem é apenas um animal sofisticado e perigoso.
A Escola de Frankfurt: A Engenharia do Desmonte
Para compreendermos por que esse modelo de harmonia foi abandonado, é imperativo analisar a influência da Escola de Frankfurt. Através da chamada "Teoria Crítica", pensadores como Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcuse operaram uma desconstrução sistemática dos pilares da civilização ocidental. Eles identificaram na moral cristã e na autoridade tradicional os "mecanismos de opressão" que precisavam ser derrubados para a libertação do homem socialista.
A pedagogia frankfurtiana, aliada às estratégias de hegemonia cultural de Antonio Gramsci, transformou a educação em um campo de batalha ideológico. O foco deixou de ser a transmissão da cultura acumulada e a formação da virtude para tornar-se a "conscientização política". Ao rotularem a busca pela Verdade como um "discurso de poder", eles privaram o estudante de qualquer referencial objetivo de certo e errado, mergulhando-o no relativismo moral.
Essa engenharia social atuou diretamente na destruição da autoridade docente. O professor, que antes era o Magister (o mestre que conduz o aluno à luz), foi rebaixado à condição de "facilitador". Essa mudança solapou o respeito hierárquico, essencial para a formação do caráter, e ensinou ao jovem que a sua vontade subjetiva tem o mesmo peso que a experiência milenar e a evidência factual.
Marcuse, em obras como Eros e Civilização, defendeu a liberação total dos instintos como forma de protesto político. Ao pregar a "tolerância repressiva" e a desublimação repressiva, a Escola de Frankfurt incentivou a ideia de que qualquer restrição moral era uma forma de patologia autoritária. O resultado foi a fragilização da Vontade, que deixou de ser o freio das paixões para tornar-se sua escrava, tornando o indivíduo vulnerável a qualquer vício ou tentação imediatista.
Ao substituir o ideal do "Homem Virtuoso" pelo ideal do "Revolucionário Crítico", a educação moderna abriu as portas para a barbárie organizada. Sem o Intelecto voltado para a Verdade e a Vontade fortalecida pela Virtude, o homem torna-se massa de manobra. A Escola de Frankfurt não criou apenas militantes; ela criou o vácuo moral necessário para que o crime, em suas variadas formas, florescesse em uma sociedade sem defesas imunológicas espirituais.
O "Jeitinho" e o Cidadão de Vidro: A Corrupção do Cotidiano
A deserção da educação integral não gerou apenas os grandes vilões do noticiário; ela produziu o Cidadão Comum brasileiro, marcado por um egoísmo egocentrista e um imediatismo infantil. Este indivíduo é o fruto direto de uma educação tecnificista e ateia que resume a existência ao consumo e ao suprimento de vontades efêmeras. Ele é o sustentáculo moral de um sistema que ele critica, mas do qual participa através da "pequena corrupção" diária.
O culto ao "jeitinho brasileiro" é, na verdade, a manifestação do nominalismo prático: a crença de que as leis e regras são convenções que podem ser contornadas conforme a conveniência. O cidadão que estaciona em vaga exclusiva, que fura a fila, ou que dirige sob efeito de álcool quando não há fiscalização, demonstra que seu Intelecto só é usado para o cálculo utilitário. Para ele, o erro não reside na ação injusta, mas na possibilidade de ser descoberto.
Este homem é o que Georges Bernanos chamava de "o imbecil", não por falta de inteligência, mas por falta de vida interior. Em A França contra os robôs, Bernanos alerta que a civilização técnica cria homens que são peças de engrenagem, desprovidos de alma e de senso de responsabilidade. O cidadão egoísta é esse robô de carne, que vende seu voto por uma vantagem pessoal imediata, alheio ao fato de que está destruindo o futuro do seu próprio povo.
A raiz desse comportamento está no Materialismo que permeia a educação moderna. Se não há nada além da matéria, se não há um Juiz Supremo e se a vida termina no cemitério, o egoísmo torna-se a única estratégia "lógica". O cidadão de vidro quebra-se diante da menor tentação de vantagem, pois não possui uma estrutura moral interna que suporte o sacrifício pessoal em nome de um bem maior ou de uma verdade transcendente.
Richard Weaver, em As Ideias Têm Consequências, descreve esse tipo humano como a "criança mimada" da civilização. Ela exige direitos sem reconhecer deveres, e sua ansiedade por gratificação imediata a torna cúmplice de todo tipo de desordem. O crime organizado e o crime de colarinho branco são apenas as extensões macroscópicas do egoísmo microscópico desse cidadão comum que, ao desprezar a pequena justiça do dia a dia, pavimenta o caminho para a grande injustiça que assola a nação.
A Fábrica de "Homens sem Peito": A Falência do Sentimento Moral
A consequência final desta simbiose entre o utilitarismo industrial e a desconstrução ideológica é o que C.S. Lewis imortalizou como a criação de "Homens sem Peito". No seu ensaio A Abolição do Homem, Lewis explica que o "Peito" — a sede das afeições ordenadas e do sentimento moral — é o mediador necessário entre o Cérebro (Intelecto) e a Barriga (Instintos). Sem esse mediador, o homem perde a sua humanidade e torna-se um monstro ou um autômato.
A educação moderna, ao tentar ser "neutra" ou "cientificista", parou de ensinar o que Lewis chamava de Tao: a doutrina dos valores objetivos. Antigamente, a educação ensinava o aluno a sentir o que é certo: agrado pelo que é nobre e asco pelo que é vil. Hoje, ensinamos o jovem a "analisar criticamente" o valor, o que na prática significa desintegrá-lo, restando apenas o instinto bruto ou o intelecto frio e calculista.
Lewis é contundente: "Nós fazemos homens sem peito e esperamos deles virtude e empreendimento. Rimos da honra e ficamos chocados quando encontramos traidores em nosso meio. Castramos e esperamos que os castrados sejam férteis". Não se pode esperar que um cidadão seja honesto se ele foi treinado para acreditar que a honestidade é apenas uma "construção social" subjetiva. A segurança pública é impossível em uma nação onde o sentimento moral foi extirpado da sala de aula.
O Criminoso de Colarinho Branco é o intelecto hipertrofiado sem a barreira do peito; ele é um gênio técnico sem honra. O Criminoso Violento é a barriga e o instinto sem o governo do peito e do cérebro. E o Cidadão do Jeitinho é o homem que atrofiou seu peito para que seus instintos não fossem incomodados pela consciência. Todos eles são faces de uma mesma moeda: o homem inacabado, despojado da jaula dourada das virtudes.
Resgatar a segurança pública no Brasil exige, portanto, muito mais do que reformas policiais ou judiciárias. Exige o retorno à educação integral que entende a alma humana em sua totalidade. Precisamos reconstruir o "Peito" da nação através de uma pedagogia que não tenha medo de afirmar a Verdade, de exigir o Bem e de apontar para o Belo. Somente homens íntegros podem sustentar uma sociedade segura; sem a formação integral, continuaremos sendo apenas uma massa de indivíduos predadores, aguardando a próxima oportunidade para o saque.
Referências Bibliográficas
- ADORNO, Theodor W.Educação e Emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
- AQUINO, Santo Tomás de.Suma Teológica. Tradução de Carlos-Josaphat Pinto de Oliveira. São Paulo: Loyola, 2001.
- BERNANOS, Georges.A França contra os robôs. Tradução de Alexandre Müller Ribeiro. São Paulo: É Realizações, 2010.
- HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor W.Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
- LEWIS, C. S.A Abolição do Homem. Tradução de Martins Fontes. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2017.
- PASCAL, Blaise.Pensamentos. Tradução de Sérgio Milliet. São Paulo: Nova Cultural, 1999.
- SÃO VÍTOR, Hugo de.Didascalicon: da arte de ler. Tradução de Antonio Marchionni. Petrópolis: Vozes, 2001.
- WEAVER, Richard M.As Ideias Têm Consequências. Tradução de Guilherme Ferreira Araújo. 4. ed. São Paulo: É Realizações, 2012.
Clodomar Rodrigues Coronel da Policia Militar do Estado de Rondonia
Comandante Regional de Policiamento II