No artigo anterior, diagnosticamos o Brasil como uma "Nação Inacabada", refém de um medo paralisante apesar dos gastos exorbitantes com segurança. Hoje, precisamos descer ao subsolo dessa crise para iluminar um elo que poucos ousam admitir: a conexão espiritual entre o bandido que aterroriza a população e o político que saqueia a nação.
O Teatro das Tesouras e o Curral da Extorsão
O cenário brasileiro é uma pintura grotesca de dois mundos que, aparentemente, se opõem.
De um lado, temos o "Terno de Brasília". Assistimos, estupefatos, a escândalos que se sucedem em escala industrial — do Mensalão ao Petrolão, passando pelos desvios de verbas da saúde, em plena pandemia, alcançando nossos aposentados no INSS. São crimes cometidos em gabinetes refrigerados, operados por homens de fala mansa, doutores em leis e economia, que utilizam a inteligência para subverter o Estado.
Do outro lado, temos o "Chinelo da Facção". Em grande parte do território nacional, o cidadão comum, já esfolado pela carga tributária, é obrigado a pagar novamente para viver. O comerciante paga a "taxa de segurança"; o morador paga o "gás tabelado"; o “Gato” da agua, luz e internet, a família paga para que o filho não seja aliciado. É o PIX da extorsão. O Estado falhou em prover a ordem, e o crime organizado preencheu o vácuo, cobrando caro por uma "paz" artificial imposta pelo fuzil.
O paradoxo é gritante: os brasileiros pagam impostos a um Estado que não os protege e paga taxas a uma facção que promete defende-los dela mesma.
Filhos do Mesmo Vazio: A Raiz Metafísica do Crime
Mas o que une o sofisticado operador de propinas em Brasília ao gerente do tráfico na favela? A resposta não está na sociologia, mas na metafísica. Ambos são filhos legítimos da mesma mãe: uma educação que, desde a Revolução Industrial, amputou do homem a capacidade de contemplar a Verdade.
Richard M. Weaver, em sua obra seminal "As Ideias Têm Consequências", diagnosticou com precisão cirúrgica a doença que hoje atinge seu estágio terminal no Brasil. Ele argumentava que o declínio do Ocidente começou quando abandonamos a crença em uma verdade transcendental e objetiva (o realismo) e abraçamos a ideia de que a realidade é apenas aquilo que nomeamos ou sentimos (o nominalismo).
Quando a sociedade decreta que "não há verdade absoluta", a única lei que resta é a força. O político corrupto e o chefe da facção são, na essência, "nominalistas práticos": para eles, a realidade não tem uma ordem moral intrínseca; ela é apenas uma massa disforme que eles podem moldar segundo seus desejos de poder e riqueza.
Agostinho e a Anatomia da "Grande Quadrilha"
Santo Agostinho, em sua obra A Cidade de Deus, faz uma análise que parece ter sido escrita para o noticiário policial e político do Brasil moderno. Ele pergunta: "Remota itaque iustitia quid sunt regna nisi magna latrocinia?" (Retirada a justiça, o que são os reinos senão grandes latrocínios?).
Para entender a profundidade disso, precisamos entender o que é um bando de ladrões para Agostinho. É um grupo de homens governados por um chefe, unidos por um pacto social, onde o saque é dividido segundo uma lei convencionada entre eles.
Agora, olhe para o Estado corrompido: ele tem chefes, tem pactos e tem leis para dividir o orçamento (o saque) entre os "amigos do rei". A única diferença entre a facção criminosa e o Estado corrompido é a impunidade e a escala.
Se a educação falha em ensinar a Virtude da Justiça — que não é apenas "seguir a lei", mas a vontade constante de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido — o Estado perde sua legitimidade moral. Ele deixa de ser um promotor do Bem Comum e torna-se apenas uma facção maior, mais forte e "legalizada". O político que desvia a verba da saúde não é um "gestor ruim"; filosoficamente, ele é um líder de facção que usa caneta em vez de fuzil para garantir sua parte no saque.
A Fábrica de Bárbaros Especialistas
A partir da Revolução Industrial, o modelo educacional sofreu uma mutação terrível. A educação deixou de ser a paideia (a formação integral da alma para a virtude) e tornou-se um treinamento utilitário para a produção. O objetivo da escola deixou de ser formar um "Homem Bom" para formar um "Trabalhador Eficiente".
Georges Bernanos, o grande escritor católico francês, alertava profeticamente sobre esse tipo de sociedade mecanizada: "Não se compreende absolutamente nada da civilização moderna se não se admitir, antes de tudo, que ela é uma conspiração universal contra toda espécie de vida interior."
Sem vida interior, o homem torna-se um autômato dos seus instintos.
- Para o político corrupto (o aluno "bem-sucedido" desse sistema), a lei não é um reflexo da Justiça Divina, mas apenas uma ferramenta burocrática. Ele rouba porque pode.
- Para o faccionado (o aluno "excluído"), a violência é apenas eficiência. Ele extorque porque funciona.
A Psicologia da Criança Mimada
Voltando a Weaver, ele descreve o homem moderno como uma "criança mimada" (spoiled child), incapaz de aceitar que existe uma ordem no mundo à qual ele deve se submeter. Essa "criança mimada" quer o prêmio sem o esforço, o prazer sem a responsabilidade.
O que é a facção criminosa senão a institucionalização da "criança mimada" armada de fuzil, que quer a riqueza imediata do tráfico sem o sacrifício do trabalho honesto? E o que é o político corrupto senão a "criança mimada" de terno, que quer o privilégio do cargo público sem o ônus do serviço ao povo?
Ambos sofrem da mesma cegueira espiritual. A educação moderna os privou da "imaginação moral". Eles são incapazes de enxergar o "Outro" como um irmão ou a "Sociedade" como um corpo do qual fazem parte. Eles veem apenas objetos a serem explorados.
Conclusão: O Triunfo do Materialismo
O elo secreto entre a gravata e o chinelo é o materialismo. Ambos acreditam que a vida se resume a acumular bens aqui e agora. Não há Céu a alcançar, nem Inferno a temer, nem Verdade a honrar.
A falência da segurança pública no Brasil, portanto, não é apenas um problema de gestão policial. É a consequência lógica de um sistema de ensino que, ao expulsar a Filosofia Clássica e a busca pela Verdade da sala de aula, formou uma geração de "bárbaros técnicos": unidos pela incapacidade absoluta de amar o Bem Comum e pela certeza fatal de que, no fim, só o que importa é a vantagem que se leva.

Referencias:
- AGOSTINHO, Santo.A Cidade de Deus. Tradução de Odilão Moura. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2012. (Coleção Pensamento Humano).
- BERNANOS, Georges.A França contra os robôs. Tradução de Alexandre Müller Ribeiro. São Paulo: É Realizações, 2010.
- IGREJA CATÓLICA. Papa (1922-1939: Pio XI).Carta Encíclica Divini Illius Magistri: sobre a educação cristã da juventude. Vaticano: Libreria Editrice Vaticana, 1929. Disponível em: https://www.vatican.va/content/pius-xi/pt/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_31121929_divini-illius-magistri.html. Acesso em: 01 dez. 2025.
- PLATÃO.A República. Tradução de Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
- WEAVER, Richard M.As Ideias Têm Consequências. Tradução de Guilherme Ferreira Araújo. 4. ed. São Paulo: É Realizações, 2012.
Clodomar Rodrigues Coronel da Policia Militar do Estado de Rondonia