A cada ano, a celebração do Dia das Bruxas (Halloween) se infiltra com mais vigor no calendário social, apresentando um dilema silencioso a famílias que professam a fé cristã. Para além da crítica histórica à festa pagã, que há muito perdeu seu significado original para se tornar um mero evento comercial, o que verdadeiramente interpela a consciência de um cristão com pleno conhecimento da Doutrina da Igreja é o louvor ao horrendo.
A questão central reside na escolha, por pais e responsáveis, de fantasiar os seus filhos — o que temos de mais puro e inocente — com figuras sombrias, demoníacas ou abjetas. Como filhos da Luz e herdeiros da Tradição que nos legou uma cosmovisão fundamentada no Bem, na Verdade e na Beleza, devemos questionar: que tipo de mensagem está sendo incutida na alma infantil quando o Mal, o medonho e o grotesco são celebrados como um passatempo inofensivo? A Razão e a Repulsa Universal ao Horrendo O dilema transcende o campo da fé e encontra eco na razão mais elementar. Uma breve reflexão cultural, inclusive sob a perspectiva de um observador ateu, atesta uma verdade universal: em todas as culturas humanas, da antiguidade aos tempos modernos, o sombrio, o horrendo e o monstruoso foram inequivocamente associados a forças negativas, ao caos e à destruição. Em contraste, a Beleza, a Verdade e a Harmonia são invariavelmente ligadas ao bem, à ordem e à vida.
Não há, portanto, no campo da pura razão ou da antropologia cultural, uma justificativa plausível para o louvor deliberado ao Mal. Quando vestimos o demônio com a roupagem da diversão ou a bruxa com o adorno do entretenimento, estamos, de fato, relativizando a natureza do Mal. Isso nos conduz a uma perigosa encruzilhada moral: o mal, o demoníaco, o feio, passariam a depender de um mero ponto de vista? Seria o horrendo apenas uma questão de perspectiva? Ou será, como muitos argumentam, apenas um "grito de liberdade", uma forma de afirmar que posso fazer o que bem entender com a educação de meus filhos?
A Doutrina Cristã, baseada na filosofia clássica, ensina que o Mal não é uma substância, mas uma privação do Bem devido. O Mal é a ausência de algo que deveria estar lá, assim como a escuridão é a ausência de luz. Celebrar o sombrio é, portanto, celebrar o nada, a carência e a desordem, o oposto da Criação de Deus. Ao normalizar o feio, corroemos sutilmente a capacidade de discernir e repudiar o Mal em sua essência.
Neste ponto, a sabedoria cristã nos adverte. Santo Agostinho, em sua reflexão sobre o Mal, afirmou que: “O mal não existe senão no bem que é corrompido.” O Mal que vemos no Halloween é a corrupção do bem da diversão e da imaginação.
Ainda dentro desta perspectiva, cabe um breve comentário quanto a sensualizarão de crianças, que de forma silenciosa permeia as fantasias utilizadas para esta “comemoração”. Roupas coladas as corpo, desvestida de qualquer pudor, expondo de forma extrema o corpo de crianças, principalmente meninas. A caracterização de figuras voltadas ao apelo sexual como personagens de filmes, ou figuras como vampiros, que sempre tiveram grande apelo sexual quando representados, passam de forma despercebida, sob o olhar de seus pais e responsáveis, vendados pelo modernismo, mas de forma alguma será despercebido pela criança, que em pleno desenvolvimento, é marcada por estas impressões. O Chamado à Beleza e o Caos Social O cristianismo ensina que Deus é o Ser em Si, e d'Ele emanam os Transcendentes — a Verdade, o Bem e a Beleza (Pulchritudo). A Beleza é a manifestação visível da forma e da ordem de Deus. Contemplar a Beleza na arte, na liturgia ou na natureza não é um luxo estético; é um ato teológico que eleva a alma ao Criador.
Ao passo que a celebração do horrendo ganha espaço em nosso cotidiano, assistimos a um declínio da capacidade humana de contemplar e reverenciar o que é verdadeiramente belo. E aqui reside a nossa conclusão mais inquietante: talvez o atual contexto social, marcado por crises de sentido, fragmentação e um sentimento generalizado de caos, seja um reflexo direto da nossa incapacidade de reverenciar e contemplar a Beleza.
São Tomás de Aquino nos lembra que: “Para a beleza, requerem-se três condições: primeiro, a integridade ou perfeição; depois, a devida proporção ou harmonia; e finalmente, a claridade.” Ao celebrar a feiura e o grotesco, atacamos exatamente essas três condições: a integridade da inocência infantil é corrompida, a proporção moral é distorcida e a claridade (a Luz) é obscurecida.
Se o Mal é a desordem, e a Beleza é a manifestação da ordem divina, a nossa escolha consciente por entronizar o horrendo em nossas vidas, mesmo sob o pretexto da festa, é um sintoma de uma grave cegueira espiritual. Ao ver uma pequena criança, trajada e maquiada de demônio, a expressão “Que fofo”, as centenas de likes, ou dezenas de comentários positivos, são sem dúvida alguma, a prova que a capacidade de contemplação do belo, está cada vez mais distante da sociedade atual. A Beleza, tal como a Verdade, exige esforço, pureza de intenção e contemplação. A Defesa da Beleza como Ato de Fé Em vez de velar nossos filhos com a máscara do pavor, a vocação cristã nos conclama a vesti-los com a graça da inocência, a celebrar a luz dos santos e a afirmar a esperança da Ressurreição. A reflexão final para pais e responsáveis é crucial: ao escolher a fantasia do seu filho, você está prestando louvor ao Mundo ou ao Criador?
O ato de valorizar a Beleza e de fugir do horrendo não é apenas uma preferência estética, mas um imperativo de fé. A verdadeira liberdade não está em fazer o que se quer, mas em escolher o que é o Bom, o Verdadeiro e o Belo. A Doutrina Cristã oferece esta tríplice fundação como o único caminho para a ordem pessoal e social.
É urgente que o cristão resgate a sua responsabilidade de ser Sal da Terra e Luz do Mundo. Somente quando reaprendermos a contemplar a Beleza de Deus – a Beleza que é íntegra, harmônica e luminosa – seremos capazes de resistir ao caos moral. O atual contexto social de fragmentação e angústia talvez seja, de fato, a colheita amarga de uma geração que perdeu a capacidade de ver o Sublime e de lutar pela glória dos Santos, preferindo, inadvertidamente, a celebração passageira da sombra. A paz e a ordem para a sociedade só serão encontradas no retorno vigoroso a esta fundação: o Bem, a Verdade e a Beleza. Clodomar Rodrigues