
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) se reúne nesta terça-feira (25), a partir das 9h30, para analisar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados de tentativa de golpe no fim de 2022. A Corte reservou três sessões para decidir pelo recebimento, ou não, da denúncia, ato necessário para a abertura de uma ação penal contra os denunciados. Serão duas sessões na terça – manhã e tarde – e outra na manhã de quarta-feira (26).
Se for recebida a denúncia contra todos os acusados do chamado “núcleo 1” da suposta organização criminosa, irão se tornar réus num processo criminal Bolsonaro e os ex-ministros Walter Braga Netto (Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Anderson Torres (Justiça); o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos; o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem; e o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cuja delação premiada embasou a investigação sobre o caso.
Todos são acusados dos seguintes crimes:
- organização criminosa armada, com pena de 3 a 8 anos de prisão;
abolição violenta do Estado Democrático de Direito, com pena de 4 a 8 anos;- golpe de Estado, com pena de 4 a 12 anos de reclusão;
dano qualificado contra patrimônio da União, com pena de 6 meses a 3 anos;- deterioração de patrimônio tombado, com pena de 1 a 3 anos de detenção.
Nesse julgamento, os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin vão examinar se a denúncia contém indícios suficientes de materialidade (ocorrência) dos crimes e de autoria (quem cometeu).
Se a maioria entender que há esses elementos, é aberto um processo criminal, ao longo do qual os réus poderão apresentar provas de sua inocência e chamar testemunhas que possam contraditar as acusações da PGR. No final desse processo, haverá um novo julgamento, também realizado pela Primeira Turma do STF, para definir se eles são culpados ou inocentes, e definir a pena, em caso de condenação.
Como serão as sessões da análise da denúncia na Primeira Turma do STF
Na primeira parte da sessão desta terça-feira haverá a leitura, por Alexandre de Moraes, do relatório do caso, que resume as denúncias e as defesas. Depois, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, falará por 30 minutos, para reiterar as acusações. Após essas etapas, os advogados de cada um dos denunciados terão 15 minutos, cada um, para rebater as acusações.
Em seguida, começa a análise da denúncia. Haverá duas rodadas de votação na seguinte ordem: primeiro votará Moraes, e depois Dino, Fux, Cármen Lúcia e Zanin. Para uma decisão, é preciso maioria de três votos entre os cinco ministros.
Na primeira votação, os ministros vão analisar questões preliminares, ou seja, objeções de ordem jurídica à denúncia, à investigação e à condução do caso por Alexandre de Moraes.
As defesas questionam o fato de o caso tramitar no STF, uma vez que quase todos os acusados não têm mais foro privilegiado; o julgamento pela Primeira Turma e não pelo plenário do STF, com todos os 11 ministros; e também o papel de Moraes – os advogados sustentam que ele não tem imparcialidade para julgar a denúncia, uma vez que figura como vítima no caso e que teria atuado como investigador no inquérito.
Na segunda rodada de votações, os ministros vão analisar o mérito da denúncia, ou seja, as acusações em si. A tendência é de que essa votação comece na tarde desta terça-feira e continue na sessão da manhã de quarta.
No total, a PGR denunciou 34 pessoas no caso, pelos mesmos crimes, mas optou por apresentar cinco denúncias, separando-os por grupos, ou “núcleos”. Cada um reúne pessoas conforme as condutas e posição na suposta organização criminosa.
O núcleo de Bolsonaro agrupa os ministros mais próximos, do Palácio do Planalto, das Forças Armadas, da Segurança Pública e da inteligência, que estariam no topo da hierarquia.
As denúncias contra os denunciados dos outros núcleos serão julgadas a partir de abril. A tendência é deque a Primeira Turma aceite a denúncia contra todos ou a grande maioria dos acusados.
Há interesse, entre ministros do STF, em condenar Bolsonaro e os demais ainda neste ano, sob o pretexto de “não contaminar” o ano eleitoral de 2026. A maioria dos ministros também repudia a tentativa de o Congresso aprovar uma lei para anistiar as centenas de manifestantes condenados pelo ataque físico às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023, perdão que, pelo texto da proposta, poderia se estender ao ex-presidente e os outros acusados de tramarem o suposto golpe.
Sessão começará com leitura do relatório, quando Moraes resumirá o caso
Na manhã desta terça, o presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, abrirá a sessão de julgamentos e, logo em seguida, Alexandre de Moraes fará a leitura do relatório da denúncia, um resumo das acusações, das defesas e da investigação da Polícia Federal.
Na denúncia, apresentada em 18 de fevereiro, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, sustenta que a articulação para um golpe de Estado, que impedisse a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, começou em meados de 2021, quando Bolsonaro intensificou manifestações para colocar em dúvida a integridade das urnas eletrônicas.
Para a PGR, desde essa época, o ex-presidente e seu entorno queriam descredibilizar o sistema eletrônico de votação e a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que, numa eventual derrota na disputa eleitoral para Lula, Bolsonaro pudesse justificar uma intervenção no TSE, com auxílio das Forças Armadas, para revisar o resultado do pleito.
“O grupo registrou a ideia de ‘estabelecer um discurso sobre urnas eletrônicas e votações’ e de replicar essa narrativa ‘novamente e constantemente’, a fim de deslegitimar possível resultado eleitoral que lhe fosse desfavorável e propiciar condições indutoras da deposição do governo eleito”, diz a denúncia.
A PGR elencou atos que, ao longo de um ano e meio, teriam levado Bolsonaro a incitar a população a uma revolta contra a eventual vitória de Lula, o que teria ocorrido nos acampamentos montados em frente a quartéis do Exército, após a derrota, e se materializado no dia 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação do edifício-sede do STF, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional.
Entre os atos apontados pela PGR nesse sentido, houve a divulgação, por Bolsonaro, em agosto de 2021, de uma investigação da PF sobre o ataque hacker ao TSE em 2018; a realização de uma live, em julho daquele ano, em que apresentou vídeos de internet com suspeitas sobre as urnas; a reunião com embaixadores, em julho de 2022, em que questionava a neutralidade dos ministros do TSE para conduzir o processo eleitoral.
Ao longo da investigação, iniciada em 2023 a partir da delação premiada de Mauro Cid, a PF conseguiu recuperar mensagens de celular e documentos trocados pelos investigados que mostraram articulações e planos para impedir a posse de Lula.
Um dos principais achados foi a minuta de um decreto presidencial que instituía Estado de Defesa no TSE. Trata-se de instrumento previsto na Constituição pelo qual o presidente da República pode, com autorização do Congresso, prender pessoas por crimes contra o Estado, restringir direitos de reunião, quebrar sigilo de correspondências e comunicações, para “preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional”.
Segundo as investigações, a minuta foi levada a Bolsonaro pelo ex-assessor de Assuntos Internacionais Filipe Martins, e previa inicialmente a prisão de Alexandre de Moraes, do ministro Gilmar Mendes e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. A PF diz que Bolsonaro alterou o texto para que apenas Moraes fosse preso.
O ex-presidente ainda teria submetido o texto aos comandantes das Forças Armadas, mas dois deles recusaram apoio – o então comandante do Exército, Freire Gomes, o da Aeronáutica, Baptista Júnior; apenas o da Marinha, Almir Garnier Santos, teria concordado. Sem apoio e consenso nas Forças Armadas, Bolsonaro teria desistido.
Além da “minuta do golpe”, a PF também encontrou planos elaborados por militares para prender ou até mesmo executar Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin e assim impedir a sucessão presidencial. O plano “Punhal Verde e Amarelo” previa o uso de armamento pesado para uma emboscada contra Moraes.
Segundo a PGR, ele foi impresso no Palácio do Planalto e apresentado pelo general Mario Fernandes a Bolsonaro em novembro de 2022. Em 15 de dezembro, um grupo de seis militares de Forças Especiais, conhecidos como “kids pretos”, saíram a campo para executar o plano, na operação “Copa 2022”. Eles teriam seguido Alexandre de Moraes pelas vias de Brasília, mas só teriam abortado a missão de “neutralização” porque, segundo a PGR, Bolsonaro não assinou, no dia, o decreto de intervenção no TSE.
Os atos de 8 de janeiro de 2023 foram, segundo a PGR, a tentativa final de pressionar as Forças Armadas a intervir e depor Lula. Todas essas acusações serão reiteradas por Paulo Gonet em sua sustentação oral, que poderá durar até 30 minutos.
O que dizem as defesas dos denunciados
Depois de Gonet, os advogados de cada um dos oito denunciados poderão verbalizar a defesa na tribuna da Primeira Turma. A ordem será definida por Zanin.
Na resposta à denúncia da PGR, a defesa de Jair Bolsonaro pediu o afastamento de Moraes do processo, sob o argumento de que a nova lei que instituiu no Brasil o juiz de garantias impede que o magistrado que supervisionou a investigação atue na ação penal. Pediu ainda o julgamento do caso no plenário, foro de presidentes da República.
No mérito da acusação, alegou que Bolsonaro nunca determinou qualquer medida de força para impedir a posse de Lula e que colaborou com a transição de governo, inclusive com a nomeação de novos comandantes, definidos pelo petista, para as Forças Armadas. A defesa apontou contradições nos planos elaborados para executar o golpe, que, reiteram os advogados, não foram autorizados por Bolsonaro.
“Deixando de lado a crítica política que se pode fazer ao peticionário, bem como sua opinião sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, pergunta-se: houve emprego de violência ou grave ameaça ao longo de 18 meses? Os poderes constitucionais – leia-se, Executivo, Legislativo e Judiciário – foram restringidos ou impedidos de funcionar? É evidente que não”, escreveram, na defesa prévia, os advogados Celso Vilardi, Daniel Tesser, e Paulo da Cunha Bueno.
A defesa de Walter Braga Netto apontou diversas ilegalidades na investigação e na delação premiada de Mauro Cid, acusando-o de mentir nos depoimentos da colaboração e agir sob pressão de Moraes. No mérito, rechaçou as acusações de que teria atuado para pressionar militares de alta patente para aderir ao golpe e de que teria financiado a operação para executar Alexandre de Moraes.
“Não há qualquer descrição de ordem de comando, de ingerência, de influência ou de controle do Gen. Braga Netto em relação aos demais membros da suposta organização criminosa, algo que seria essencial para começar a se cogitar um papel de liderança”, escreveram os advogados José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall’acqua na defesa prévia.
A defesa de Augusto Heleno pediu que o caso seja retirado do STF, por ausência de foro dos investigados, e apontou suspeição de Moraes, por figurar como vítima no caso. No mérito, a defesa destacou trecho de depoimento de Mauro Cid em que ele diz nunca ter visto “uma ação operacional ou de planejamento” do general na trama.
“Há completa falta de elementos mínimos a apontar qualquer tipo de envolvimento direto ou indireto do denunciado. Não há uma testemunha que aponte seu envolvimento, não há uma conversa de whatsapp sua para qualquer pessoa que o seja tratando da empreitada criminosa aqui denunciada, não há acervo probatório mínimo a sustentar as acusações”, escreveu o advogado Matheus Milanez.
A defesa de Paulo Sérgio Nogueira também alegou ausência de provas de sua participação, como ministro da Defesa, em eventos de ruptura. “O General Paulo Sérgio não integrava organização criminosa e atuou ativamente para evitar um golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, nesse sentido, ele: aconselhava o Presidente da República, no sentido de que nada poderia ser feito diante do resultado das eleições; era totalmente contrário a golpe; temia que radicais assessorassem e levassem o Presidente a assinar uma ‘doidera’”, diz o advogado Andrew Farias.
A defesa de Almir Garnier dos Santos alegou ausência de “minuciosa e individualizada descrição dos fatos imputados” ao almirante da Marinha. “A denúncia não se coaduna com tais exigências, carecendo de substrato probatório idôneo que a legitime, imputando fatos de maneira genérica, sem a devida robustez argumentativa e sem concatenação lógica entre os elementos fáticos, a tipificação penal pretendida e os elementos de informação que corroborariam a hipótese”.
A defesa de Anderson Torres negou omissão na proteção das sedes dos Poderes e qualquer participação do ex-ministro em planos para executar um golpe. Afirmou que ele não elaborou nem fez circular a minuta do decreto de intervenção no TSE, cuja cópia foi encontrada em sua casa.
“A simples leitura do teor da minuta já indica o absurdo quanto ao local, quanto ao meio, quanto à forma, quanto ao objeto e quanto aos pressupostos constitucionais do Estado de Defesa. Absolutamente nada faz sentido! Trata-se de teratologia jurídica que, de tempos em tempos, acaba sendo trazida à apreciação dos órgãos públicos e, por fim, descartada. Ademais, cuida-se de documento apócrifo, que não possui, pois, qualquer valor jurídico”, disseram os advogados Eumar Novacki e Raphael Menezes.
A defesa de Alexandre Ramagem disse que seria contraditório que ele, que era candidato a deputado federal em 2022, atuasse para impedir o exercício dos poderes com um golpe de Estado. Também disse que se limitava a passar a Bolsonaro informações técnicas sobre as urnas, especialmente conclusões de peritos da Polícia Federal sobre o sistema de votação eletrônico.
“A denúncia também não mencionou as várias manifestações públicas do denunciado em rede social ao longo dos anos de 2021 e 2022, cujo conteúdo era direcionado à importância do constante aprimoramento da segurança do processo eletrônico de votação. As manifestações públicas do denunciado não continham ataques às urnas eletrônicas, limitando-se a dar ênfase ao aprimoramento do sistema, para além de realçar que divergências técnicas deveriam ser dirimidas por órgãos técnicos”, diz o advogado de Ramagem, Paulo Renato Cintra.
Por fim, a defesa de Mauro Cid alegou que, como ajudante de ordens, ele não tinha poder de decisão sobre uma eventual tentativa de golpe. Além disso, pediu sua absolvição pelo fato de ter colaborado com as investigações.
“A atuação de Mauro Cid se reserva, e a acusação assim também entende, na ‘comunicação’ a fim de ‘repassar’ as autoridades próximas a Presidência, informações que chegavam até si e em razão da posição de Ajudante de Ordem e sua proximidade com o então Presidente da República, mas que, em nenhum momento, criou conteúdo ou repassou a ‘grupos’ que a acusação afirma seriam os encarregados de disseminar informações falsas de modo a manter uma mobilização frente aos Quarteis de simpatizantes do Presidente da República à época”, diz seu advogado, Cesar Bitencourt.
Por Renan Ramalho